Cresci sem meu pai. Não fazia parte dos meus dias. Mas meu cabelo é preto e grosso, minha cara redonda, meus olhos rasgados, minhas pernas tortas, minha pele amarela. Cresci ouvindo tudo isso. Hoje me dizem que isso tudo é nem tanto. No entanto, por ser a única em casa, na rua, na escola, no bairro, até certo ponto, era tudo. Não é que eu fosse tudo isso. Boa parte não era. A que não era, era onde eu era. É que mesmo cortando laços, encontros e carne, eu mesma não me divido.
Cai a noite, sobem as estrelas. Segue cautelosamente em mar aberto. Canta a música da partida e do medo. Um misto de saudade e vontade. Não lhe bastam as árvores, nem a umidade por entre os pés na madeira fina, ou o balançar hipnótico das ondas pelo seu corpo. Os olhos se perdem no horizonte. Quer abrir caminhos que não deixam marcas, saciar a fome de sal, desvendar segredos profundos. Vai pelas águas. Água. No mar. Águas. Terra! Ele clama. Preciso! Já não há. Está todo tomado. Nas suas veias. No suor que escorre. Na saliva aquecida. Na extensão de si. Tudo é água. Assim, não ficou lá, nem cá. Desfez-se em lágrimas durante a travessia.
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