Quebrar o quinto metatarso, romper os ligamentos e até as enxaquecas da madrugada não foram comparáveis com o período do pós-operatório.
Osso, pele, carne e nervo precisamente cortados.
Nos primeiros dias a dor me trazia imagens dos feridos de guerra dos filmes, aqueles coadjuvantes que ficam gritando na maca suja com a falta de um membro. O fundo da cena se acendeu em mim. Eu era a coadjuvante e meu grito não me fazia me sentir mais viva.
Conviver com a dor.
Dor constante, por horas, dias, semanas, meses.
Isso me roubou de eu mesma. A vontade de comer, saber o que eu gosto, me concentrar em qualquer ideia ou atividade. Nem corpo nem mente estavam em mim. A dor me tirou tudo isso. A dor levou alguns quilos que me compõem embora. Eu fui com eles.
Foram necessários mais de dois meses até eu conseguir me ver de novo.
Sentir o sangue correndo em minhas veias.
E em cada respiração uma pequena parte se preenchendo.
Me percebi no desejo acordado de ler o mundo.
Sai do abismo de mãos agarradas comigo mesma.
Nada me preparou para a dor, mas superar a dor me fez mais inteira.
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